Os  usos e costumes são uma velha questão nos círculos pentecostais. Os  usos e costumes fazem parte de todas as instituições e sociedades. Todas  as igrejas têm as suas tradições, impostas ou espontâneas. Por muito  tempo se confundiu costumes com doutrina, mas há diferenças  significativas entre esses conceitos. 
O  que é costume? O lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda definiu costume  como “uso, hábito ou prática geralmente observada”1. O dicionarista  Adriano da Gama Cury definiu, de maneira mais completa a palavra  costume, como “uso, prática habitual; modo de proceder; característica,  particularidade; prática jurídica ou religiosa não escrita, baseada no  uso; moda; traje característico ou adequado...”2. Essas definições  mostram que o costume é um hábito repedidamente adotado por um  determinado grupo social. Os costumes fazem parte da identidade de uma  instituição. 
O que é doutrina? No Novo Testamento, a palavra mais usada para doutrina é didache  e significa ensino, instrução, tratado e doutrina. Segundo o teólogo  Claudionor Corrêa de Andrade, doutrina é a “exposição sistemática e  lógica das verdades extraídas da Bíblia, visando o aperfeiçoamento  espiritual do crente”³. Doutrina, portanto, é o resultado do um ensino  teológico, adotado por uma denominação ou religião. 
O pastor Antonio Gilberto, M.D., apresentou em seu livro Manual da Escola Dominical4,  algumas diferenças entre usos e costumes, e neste artigo será  apresentada outras diferenças, além da lista exposta pelo grande teólogo  pentecostal. 
a) A doutrina é de origem divina, o costume é de origem humana. 
A  doutrina é divina pois está baseada na inspirada Palavra de Deus. Para  um idéia ser doutrina bíblica, é preciso que ela esteja exposta por todo  o texto sagrado. Nunca uma verdadeira doutrina é baseada em textos  isolados. 
O  costume é imposto por convenções humanas de maneira espontânea ou  obrigatória, sendo assim, o costume é humano. Há muitos que tentam achar  textos bíblicos para justificar a perpetuação de sua tradição, mas  normalmente praticam a eisegese5,  ou seja, dizem o que bem querem e tentam justificar na Bíblia. O  teólogo Esdras Costa Bentho, escrevendo sobre a eisegese, disse: 
O  intérprete está cônscio de que a interpretação por ele asseverada não  está condizente com o texto, ou então está inconsciente quanto aos  objetivos do autor ou do propósito da obra. Entretanto, voluntária ou  involuntariamente, manipula o texto a fim de que sua loquacidade possa  ser aceita como princípio escriturístico. 6 
Tentar  justificar na Bíblia as tradições é uma tarefa que tem levado a muitas  distorções bíblicas. O melhor é reconhece-la com humana. 
b) A doutrina é imutável, o costume muda. 
A  doutrina é permanente, ela nunca muda. A doutrina da justificação pela  fé, exposta principalmente nos primeiros capítulos de Romanos, nunca  mudou e nem deve ser mudada. Doutrina (bíblica) mudada é heresia. Quando  Lutero resgatou a doutrina da justificação pela fé, ele orientou a  igreja a voltar na perspectiva bíblica sobre o assunto. São passados mas  de dois mil anos e essa doutrina nunca mudou no verdadeiro  cristianismo. 
O  costume não é imutável. No Brasil era comum os cidadãos andarem pelas  ruas de chapéus, tanto homens como mulheres, passados os anos não há  mais essa costume no país. Antigamente, os pais escolhiam com quem a sua  filha casaria, mas também esse costume mudou. É necessário que o  costume mude, pois o ele está ligado à cultura local, e toda cultura é  dinâmica. Mudar alguns costumes não significa passar do são para o  diabólico, como muitos pregam. A mudança é inevitável e deve ser bem  orientada, mas como enfatizado, é sempre necessária. É bem relevante o  que o teólogo britânico John Stott escreveu no seu livro Cristianismo Equilibrado7: 
Quando  resistimos a mudanças- sejam elas na igreja ou na sociedade devemos  perguntar-nos se são na realidade, as Escrituras que estamos  defendendo(como é nosso costume insistir ardorosamente) ou, se ao  contrário, é alguma tradição apreciada pelos anciãos eclesiásticos ou de  nossa heranças cultural. Isto não quer dizer que todas as tradições,  simplesmente por serem tradicionais, devam a qualquer custo ser lançadas  fora. Iconoclasmo sem crítica é tão estúpido quanto conservantismo sem  crítica, e é algumas vezes mais perigoso. O que estou enfatizando é que  nenhuma tradição pode ser investida com uma espécie de imunidade  diplomática à examinação. Nenhum privilégio especial pode ser-lhe  reivindicado. 
Algumas  igrejas estão impondo mudança de costumes, isso é um erro, que sempre  levará a exageros. Os costumes mudam naturalmente, mas devem seguir  orientação para não levar a práticas anti-bíblicas. As igrejas sem  orientação pastoral tem aderido a costumes extravagantes, como bailes  fanks em meio ao culto. Tudo deve ser feito com equilíbrio, nada de  permissividade e nem de legalismo. 
c) A doutrina é universal, o costume é local. 
A  doutrina é universal no sentido que é para todos os povos em todas as  culturas. Proclamar que Jesus é o salvador faz sentido no Brasil em  2007, como para os indianos que foram evangelizados pelo apóstolo Tomé, o  primeiro missionário daquela nação, ainda no primeiro século da Era  Cristã. 
O  costume é local. Os homens na Escócia usam um tipo masculino de saia;  no Siri Lanka é também costume as saias para homens. Saia na maior parte  do Ocidente é roupa exclusivamente feminina. No Brasil é comum comer  peixe cozido ou frito, no Japão se come peixe-cru. 
d) A doutrina santifica, o costume não santifica. 
A  doutrina bíblica santifica o crente mediante a Palavra de Deus. Jesus  disse; “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade”(Jo 17.17). O  ensino da Palavra de Deus, ou seja, das doutrinas bíblicas, é um dos  meios que Deus usa para levar o crente a uma vida reta, assim como  escreveu o salmista: “Como purificará o jovem o seu caminho?  Observando-o conforme a tua palavra”(Sl 119.9). John Henry Jowett disse:  “Você não pode abandonar os grandes temas doutrinários e ainda assim  produzir grandes santos”, e o pastor A. W. Tozer escreveu: “O propósito  que está por trás de toda doutrina é garantir a ação moral”. Por isso é  bom lembrar que a doutrina bíblica produz, naturalmente, bons costumes. 
O  costume não pode santificar. Quem acredita na santificação por meio dos  costumes, normalmente, é um escravo do legalismo. O pastor Antonio  Gilberto escreveu a respeito do erros em relação a santificação e citou o  engano de associar exterioridade com santidade: “Usos, práticas e  costumes. Esses últimos, quando bons, devem ser o efeito da  santificação, e não a causa dela”.8 E bem relevante o que escreveu o  pastor Ciro Zibordi no prefácio do livro Verdades Pentecostais: 
Conservar  não significa possuir uma falsa santidade, fazendo dos usos e costumes  uma causa, e não um efeito. Como pode ser ao longo dessa obra , a  observância da sã doutrina leva-nos a ter santidade interna e externa, o  que implica vida santa a partir do espírito (1Ts 5.23) e manutenção dos  bons costumes. Estes, pois, não devem gerar doutrinas, como vem  acontecendo em algumas igrejas não legitimamente avivadas, para prejuízo  de seus membros.9 
O  farisaísmo se caracterizava por associar sua obras com salvação. Há  muitos que fazem dos costumes doutrina e assim, pensam que para serem  salvos precisam fazer isso ou aquilo. Como dizia Lutero: “As boas obras  não fazem o homem bom; mas o homem bom pratica as boas obras”. A  inversão dessa ordem cria escravos do farisaísmo e não servos do  Altíssimo. 
e) A doutrina é um princípio, o costume é um preceito. 
Há  diferença entre princípio e preceito? Sim. O pastor José Gonçalves  escreveu: “Os preceitos apontam para princípios e não o contrário. Um  princípio é aquilo que está por trás do preceito ou norma”.10 Por  exemplo, usar uma roupa social em um tribunal é uma norma, um preceito. O  princípio ou doutrina por trás dessa norma é que o tribunal é um lugar  sério e não ambiente de entretenimento, onde possa ir de jeans ou short. 
f) A doutrina é verdade absoluta, o costume é uma verdade relativa. 
A doutrina é sempre verdade absoluta, ou seja, é para todos, em todas as épocas e em todos os lugares. 
O costume é relativo, como lembra o pr. Geremias do Couto: 
Ao  insistirmos nos absolutos, não queremos afirmar que não haja também  conceitos relativos. Essa diversidade se manifesta, por exemplo, nas  comidas típicas de cada país, nos estilos da arquitetura, no estilo da  vestimenta e até mesmo em relação à hora de dormir, que depende do fuso  horário. Mas tais circunstâncias relativas acabam apontando para  princípios biológicos absolutos; todos precisam alimentar-se, todos  precisam dormir.11 
O  costume, por ser relativo, não deveria ser imposto como obrigação. Era  comum missionários europeus tentarem impor os costumes do norte em  países da Ásia e da América. Hoje, o conceito de transculturação está  ajudando muito em relação a esse problema. 
Há  muitas outras diferenças entre doutrina e costumes, mas fica apontado  que ambas não são a mesma coisa, porém estão ligadas umas as outras. O  bons costumes são aqueles que não escravizam o crente, colocando um jugo  que Jesus tirou na cruz, mas sim, é resultado da boa doutrina. 
Notas: 
1- HOLANDA, Aurélio Buarque de. Mini-Aurélio Século XXI Escolar. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. p. 190. 
2- KURY, Adriano da Gama. Minidicionário Gama Kury da Língua Portuguesa. 1 ed. São Paulo: FTD, 2001. p.265. 
3- ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico. 12 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 128. 
4- Publicado pela CPAD(Casa Publicadora das Assembléias de Deus). 
5- Prática de forjar o texto a fim de que justifique o pensamento próprio. Não confunda com exegese. 
6- BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica Fácil e Descomplicada. 3 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. p. 69. 
7- Publicado pela CPAD(Casa Publicadora das Assembléias de Deus). 
8- GILBERTO, Antonio. Verdades Pentecostais. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p 142. 
9- ZIBORDI, Ciro Sanches. Idem, pp 3,4. 
10- GONÇALVES, José. Voto de Nazireado, prática judaizante que despreza a doutrina da graça.Resposta Fiel, Rio de Janeiro, Ano 4, n. 12, p. 26, Jun-Jul-Ago/2004. 
11- COUTO, Geremias do. E agora, como viveremos? Lições Bíblicas, Rio de Janeiro, p. 39, 4. trimestre de 2005.

 
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