Uma daquelas questões que nos surgem no momento em que o nosso cérebro decide refletir sobre os assuntos mais importantes do nosso lugar no Universo — de madrugada, quando só queremos desligar para conseguir adormecer.
Será que os dinossauros hibernavam? Como sobreviviam ao Inverno com baixas temperaturas? Ou não tinham baixas temperaturas?
Outras pessoas, nestas ocasiões, questionam-se sobre se os pinguins têm joelhos (sim, têm).
Para tentar responder à nossa pergunta sobre os dinossauros, lembrando que estamos a falar de animais que viveram há dezenas de milhões de anos atrás (e dos quais só temos, essencialmente, fósseis), existem duas questões que temos de tentar responder primeiro.
A primeira, é se os dinossauros tinham o chamado sangue quente ou sangue frio. Como pudemos ver neste artigo, por definição apenas os animais de sangue quente podem hibernar. Répteis, anfíbios e insetos têm estados de dormência semelhantes, mas não são a mesma coisa.
A segunda, é se os dinossauros precisavam disso. Existiram dinossauros a viver nas regiões polares? A ideia que temos deles, através das gravuras e ilustrações científicas, inclui paisagens bastante quentes e solarengas.
Os continentes e as temperaturas no “tempo dos dinossauros” eram bastante diferentes do nosso mundo atual, por isso temos de recuar no tempo e perceber como era o mundo naquela altura, tanto na distribuição dos continentes, como no clima.
Vamos então procurar respostas.
Sangue quente ou sangue frio?
Uma boa questão, aliás, tão boa que nenhum outro assunto no campo da paleontologia foi alvo de contestação tão acesa (a origem das aves é capaz de rivalizar, mas dá para perceber o sentido).
Antes de avançarmos, uma breve revisão do que significa isso de ter sangue quente ou sangue frio:
- Animais de sangue quente ou animais endotérmicos, são os animais que conseguem manter e regular a temperatura do seu corpo, o que acontece com os mamíferos (incluindo o ser humano) e as aves;
- Animais de sangue frio ou animais ectotérmicos, não conseguem regular a temperatura, pelo que necessitam de fontes de calor no ambiente para se aquecer. Neste grupo incluem-se os répteis, os anfíbios, os peixes e os invertebrados.
Um animal de sangue quente consegue manter-se quente num clima frio, enquanto que um animal de sangue frio precisará sempre de uma fonte externa de calor — como um banho de sol. A contrapartida é que o animal de sangue quente necessita de consumir muito mais alimento para conseguir manter essa temperatura.
Como não existem dinossauros vivos atualmente, é difícil compará-los com qualquer outro tipo de animais para tentar perceber como os seus corpos funcionavam.
Sabemos que os dinossauros evoluíram a partir de animais que não eram capazes de gerar o seu próprio calor, como os crocodilos. Mas também sabemos que deixaram como descendentes as aves, que têm sangue quente. Para que lado da balança tendem os dinossauros?
Existem atualmente cinco principais hipóteses em discussão na comunidade cientifica:
- Os dinossauros tinham sangue quente, tal como as aves.
- Os dinossauros possuíam um tipo de fisiologia entre o sangue quente e o sangue frio (tanto regulavam a sua temperatura, como dependiam de fontes de calor no ambiente para o fazer).
- Sabemos demasiado pouco sobre os dinossauros para avançar sequer com uma hipótese.
- Os dinossauros tinham sangue frio, mas conseguiam regular a temperaturacrescendo em grandes dimensões. Os dinossauros mais pequenos eram típicos animais de sangue frio, talvez com um metabolismo mais acelerado que os maiores.
- Todos os dinossauros tinham sangue frio, tal como os crocodilos e outros répteis.
Em suma, este é um tema em aberto, controverso, que ainda dará origem a muito estudo e discussão científica nos próximos anos. Não será por aqui que conseguiremos responder a questões sobre hibernação e/ou regulação de temperatura dos dinossauros.
Existiram dinossauros polares?
Vamos tentar então perceber se o frio era um problema que os dinossauros teriam de enfrentar.
Os dinossauros apareceram há cerca de 231 milhões de anos, durante o período Triássico, e viriam a ser extintos há 66 milhões de anos, no final do período Cretáceo.
Quando os dinossauros apareceram, o nosso planeta tinha apenas um continente, ou supercontinente, chamado Pangeia.
A Pangeia formou-se há cerca de 300 milhões de anos e viria a dividir-se há cerca de 200 milhões de anos em dois supercontinentes: a Laurásia, a norte, e Gondwana, a sul. Como uma imagem vale mais do que mil palavras, veja nos seguintes mapas as divisões continentais desde a Pangeia até ao tempo presente:
Os quatro primeiros mapas cobrem a Era em que os dinossauros se inserem (Era Mesozoica). Ao contrário da atual distribuição dos continentes, a maior parte da Pangeia (primeiro mapa) encontrava-se no hemisfério sul, algo que se continuou a verificar quando se dividiu na Laurásia e Gondwana (segundo mapa).
Tanto a Antártida como a América do Sul, África, Austrália, Arábia e Índia faziam parte de Gondwana, que albergou a maior parte da fauna e da flora daquele tempo.
As temperaturas que se faziam sentir durante o Mesozoico eram consideravelmente mais quentes do que as atuais, o que vai de encontro às paisagens solarengas que vemos nas ilustrações científicas.
Mas um pequeno grupo de dinossauros, a sul de Gondwana, não teria tido a mesma sorte.
Sabemos disso graças à descoberta, em 1980, de mais de 5 mil ossos de dinossauros e outros animais no litoral de Vitória, no sudeste da Austrália, datados de há 104 milhões de anos.
A sul de Gondwana, as áreas de terra que iriam converter-se na Austrália e Nova Zelândia estavam fundidas com a Antártida. Toda a região sudeste da Austrália estava inserida no Círculo Polar Antártico. Há 104 milhões de anos, quando estes dinossauros povoavam a região, a Austrália estava apenas a começar a separar-se da Antártida.
Veja aqui um mapa da “antiga Austrália”, em comparação com a Austrália atual, bem como a localização dos dinossauros encontrados (chamada “Dinosaur Cove”, ou “Enseada dos Dinossauros” em português):
Como pode verificar neste mapa, estes dinossauros viviam bem no interior do Círculo Polar Antártico. Por esse motivo foram chamados de dinossauros polares.
O clima polar não era tão gelado quanto o atual. O polo não era dominado por neve e gelo, mas sim por florestas de aspeto semelhante às atuais florestas da Nova Zelândia, com predominância de coníferas e fetos arbóreos. Possivelmente eram menos cerradas e as copas das árvores altas alongavam-se, para conseguir aproveitar o sol baixo de Verão.
A temperatura média nesta região seria de zero graus centígrados com baixas até oito graus negativos (segundo o paleoclimatólogo Robert T. Gregory) ou de dez graus centígrados (segundo os seus colegas Judith Totman Parrish e Robert Spicer, utilizando outros métodos de avaliação).
Apesar das temperaturas polares não serem tão agrestes em comparação com as atuais, eram as mais extremas do planeta naquela altura. Além disso, a região estava sujeita aos períodos contínuos de luz e/ou escuridão que são comuns nas regiões polares. As noites de Inverno duravam entre seis semanas e a quatro meses e meio.
Por esse motivo, toda a fauna e flora desta região, incluindo os dinossauros, eram obrigados a encontrar formas de explorar as 24 horas de sol de Verão e sobreviver à escuridão e ao frio permanentes de Inverno. E aqui chegamos ao propósito do nosso artigo.
Os dinossauros hibernavam? Como sobreviviam?
Temos então um cenário bastante diferente daquele a que estamos acostumados a relacionar com dinossauros. Pelo menos para este grupo de dinossauros polares. Um solo gelado, longos períodos de escuridão e pouco alimento disponível — as plantas, base de quase todas as cadeias alimentares, são substancialmente reduzidas durante o Inverno.
Como sobreviviam os dinossauros neste ambiente agreste? Hibernavam? E se não hibernavam, que estratégias utilizavam para resistir ao Inverno?
Se olharmos para o exemplo das aves atuais, a migração é a estratégia que mais utilizam para escapar às temperaturas frias. No caso destes dinossauros, a migração seria um processo complicado: o caminho para norte estava bloqueado por um gigante mar interior e os dinossauros teriam de se desviar centenas de quilómetros para oeste só para o evitar.
Mesmo pressupondo que teriam todo esse trabalho, a recompensa seria escassa: um máximo de uma hora de sol por dia.
Se em vez das aves procurarmos nos répteis atuais, sabemos que utilizam uma espécie de hibernação chamada brumação.
Mas os exemplos polares são parcos e isto é uma maneira de dizer: não existe qualquer réptil a viver na Antártida e, no Ártico, apenas uma espécie, que nem está dentro do círculo polar.
Se a comparação com os animais atuais não nos serve de muito, temos de nos limitar à informação que se consegue retirar dos achados fósseis.
E aqui chegamos a um dos dinossauros polares mais famosos, o “pequenito”Leaellynasaura.
Na enseada australiana onde foram encontrados os dinossauros polares, foi desenterrado um crânio excecionalmente bem preservado de Leaellynasaura. O crânio revelou que estes dinossauros ornitópodes, da altura de um peru, tinham órbitas oculares desproporcionalmente grandes e também protuberâncias na nuca, que podem ter servido para acomodar lobos óticos maiores.
A explicação mais lógica para os enormes olhos do Leaellynasaura é que estes estariam adaptados para visão noturna, o que permitiria a este dinossauro manter-se ativo e procurar alimento durante os longos meses de escuridão.
O aspeto controverso desta hipótese é que, a confirmar-se, significa que os dinossauros polares não precisavam de hibernar e mantinham-se ativos durante todo o ano, incluindo o Inverno.
Em 2011, Holly Woodward, estudante de pós-graduação da Montana State University, publicou um estudo na revista cientifica PLOS One com as suas descobertas acerca da fisiologia dos dinossauros polares encontrados na Austrália, que confirmaram essa hipótese.
No estudo, Woodward e os colegas descobriram que a fisiologia destes dinossauros revelou-se semelhante à de todos os outros dinossauros, que habitavam regiões mais quentes. Não foram encontradas quaisquer evidências de hibernação.
Talvez estes dinossauros estivessem já adaptados a partir dos seus ancestrais a sobreviver a todo o tipo de condições. Talvez eles tivessem algum tipo de isolamento a cobri-los, mas não é possível dizer. Tudo o que podemos dizer é que a sua fisiologia era basicamente a mesma de qualquer outro dinossauro.— Holly Woodward em declarações à FoxNews
Podemos então concluir que, à luz do conhecimento atual, os dinossauros não hibernavam, apesar de habitarem regiões polares.
Como sobreviviam aos Invernos, que adaptações teriam para o efeito, se conseguiam ou não regular a temperatura do seu próprio corpo… são questões a que o registo fóssil e a ciência que o estuda ainda não foi capaz de responder.
Quando falamos em animais pré-históricos, existem sempre muito mais perguntas do que respostas. Mas são essas perguntam que levam o conhecimento científico avante.
Como referimos no inicio do artigo, os dinossauros são animais que viveram há dezenas / centenas de milhões de anos, nunca vimos nenhum, tudo o que temos deles são vestígios fósseis. Haverá sempre essa barreira que nos impedirá de saber, com exatidão, como eram os dinossauros, e que nos dá largas à imaginação.
Do que não existem dúvidas, é que estamos a falar de um grupo de animais extremamente bem sucedido. Não só reinaram no planeta durante 165 milhões de anos (o ser humano moderno está cá há apenas 0,2 milhões), como estavam adaptados a viver numa série de climas e condições surpreendentes.
Leitura adicional:
Tópicos: Dinossauros, Animais Pré-Históricos, Artigos em Destaque
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