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domingo, 26 de fevereiro de 2012

SANTOS, SEGUNDO A PALAVRA DE DEUS

SANTOS, SEGUNDO A PALAVRA DE DEUS


O maior desafio que temos na vida cristã não é o de nos tornarmos “santos”, mas sim de sermos transformados em pessoas autênticas, originais, segundo o padrão exigido por Jesus.





INTRODUÇÃO:


Antes de dizer qualquer outra coisa, gostaria de salientar que um grande avivamento só começa quando passamos a conhecer, na medida certa, o que significa ser “santo”, “santidade”, “santificação” à luz do Novo Testamento. Temos problemas sérios com os avivamentos porque geralmente eles desembocam num movimento de santidade. E aí por desconhecermos biblicamente esta questão terminamos por cometer as piores sandices. A razão fundamental por que eu estou falando isso é que precisamos, desesperadamente, aprender o que Jesus nos ensinou acerca da “santidade” e da “santificação”.

É pensando – com todo cuidado, é lógico – em ajudar pessoas que estão literalmente prisioneiras dos seus desejos e concepções que ponho esta reflexão diante dos irmãos e irmãs.



I – SANTIDADE E SANTIFICAÇÃO



Uma e outra palavra devem ser reestudadas por nós. Primeiramente, porque foram muito mal interpretadas. Em segundo lugar, sua idéia comprometida acabou por construir na mente das pessoas um biotipo comportamental.

A. Analisando a expressão santidade. Qualidade de quem é santo. Deus é santo no sentido de ser O Diferente, O Separado. Algo ou alguém que é «hagios» (no gr. a(gioj) é diferente ou separado no sentido de ser distinto das outras coisas e das coisas comuns.  De maneira que este termo, «hagiazein», contém duas ideias:

     1. Significa separar para uma tarefa especial. Quando Deus chamou Jeremias disse: «... e, antes que nascesse, te santifiquei, te dei por profeta às nações» (Jr 1.5). Os filhos de Arão foram «santificados» (separados dos demais) para que servissem o sacerdócio (Ex 28.41).

     2. Mas «hagiazein» não significa somente separar para uma tarefa especial. Também implica em equipar alguém com as qualidades de mente, coração e caráter que resultam necessárias para levar a cabo essa tarefa. Se alguém é separado para servir a Deus deve ter uma medida de bondade e sabedoria de Deus. Quem quer servir a um Deus santo deve ser santo também. A expressão está ligada quase que estritamente ao atributo moral de Deus.

B. Analisando a expressão santificação. Deus nos declara primeiramente justificado e concomitantemente nos torna participantes da sua santidade. Significa, então, que nós somos santos por uma questão de participação e não de «consagração expiatória».

C. Isto quer dizer que santos, não por méritos alcançados, mas pelo fato de Deus nos tornar participantes da sua Santidade. A linguagem paulina impõe esta ideia, quando ele usa a expressão «aos santos» repetidas vezes nas suas epístolas. O verbo que o apóstolo usa se encontra noparticípio perfeito passivo. Isto quer dizer que a voz do verbo é passiva, ou seja, não é o sujeito que pratica a ação, mas o sujeito sofre a ação. Conclusão: não somos nós que nos santificamos; Deus, sim, nos faz parte da sua santidade.

D. Ora, convenhamos, se a santificação serve para dar às pessoas um sentido incomum de vida e serve também para equipar uma pessoa com valores de mente, de coração e caráter, nós estamos muito distantes desta realidade.


II – SA NTIFICADOS NA VERDADE



A. Ninguém pode se santificar por conta própria, ou seja, a partir dos seus próprios conceitos, ideias. Deus nos torna participantes da Sua santidade.



B. Tipos de santificação:

    1. Santificação compensatória. Aquela em que a pessoa, por conta própria, procura compensar todos os seus erros, trocando com Deus um pouco do seu tempo pelas bênçãos divinas.

      2. Santificação expiatória. Nossas consagrações – no sentido mais objetivo da palavra – mais parecem expiações pelos pecados do que um ato, pura e simplesmente, de dedicação a Deus.

    3. Santificação compulsória. É compulsória porque a pessoa faz por obrigação e não pelo prazer de estar na presença de Deus.

    4. Santificação emulatória. As pessoas fazem para compe- tirem com outras. Ou, na melhor das hipóteses, fazem induzidas por aqueles que estão fazendo com sucesso. Fazem para competir.

     5. Santificação autoritária. As pessoas que fazem esse tipo de santificação pensam que são mais do que as outras. Ou seja: só se santificam para provar sua ascensão sobre as demais.

C. Ninguém consegue ser santo por conta própria. Os que tentam sozinhos só conseguem é aflição de espírito.



D. Outros tipos de santificação:

     1. Santificação eventual. É aquela que acontece eventual- mente na vida da pessoa. De mês em mês há uma recaída e uma santificação.

     2. Santificação conveniente. A mais das vezes temos pessoas se santificando por razões eminentemente convenientes. Querem de Deus alguma coisa e por isso se santificam.

    3. Santificação à procura do poder. É aquele tipo de santificação que as pessoas comumente fazem para obter o poder de Deus.

    4. Santificação do jejum. De quando em quando nos deparamos com aqueles que vivem jejuando, mas fazendo do jejum um meio para obter de Deus alguma coisa.

E. O jugo que algumas pessoas carregam é muito maior do que elas podem suportar. É o jugo de uma consciência doente e inquieta na presença de Deus. O jejum deve ser o resultado por estarmos na presença de Deus e não a causa de entrarmos na presença de Deus.

F. A santificação deve ser consentânea com a Palavra de Deus e não algo da nossa cabeça.



III – O QUE JESUS QUERIA DIZER COM A PALAVRA SANTO



O que precisa ficar bem claro a você, leitor, é o real sentido da palavra “santo” para Jesus. Até porque Jesus é o nosso paradigma, o nosso modelo, nosso arquétipo, nosso referencial maior.

. Ser santo para Jesus é buscar ser essencialmente humano, ser parte da história, porém vivendo a presença de Deus no mundo.

. Ser santo para Jesus tem relação com a busca de uma sociedade sem desi­­gualdades e onde os mais fracos jamais sejam despojados.

. Ser santo para Jesus é viver a alegria do conhecimento de Deus com oração e fé e é sofrer as angústias da história como resultado dos nossos vín­­culos com um padrão que o mundo não conhece.

. Ser santo para Jesus é ser separado, não dos pagãos, como Israel equivocadamente tentou, mas é viver a diferença radical dos valo­­res do Reino de Deus em meio às sociedades pagãs.

. Ser santo para Jesus é ter na paixão dos profetas a motivação existencial para o nosso enfrentamento histórico do mal.

. Ser santo para Jesus é, mesmo em dia de sábado, trabalhar a favor da santi­­dade de vida.

. Ser santo para Jesus é colocar o valor da vida acima do valor das coisas, mesmo aquelas mais «sagradas» (entre aspas).

. Ser santo para Jesus é entender que o altar diante do qual Deus nos quer ver prostrados não é apenas o altar do templo, mas também os altares ensanguentados dos corpos dos nossos irmãos de história e que estão caídos nas esquinas da vida.

. Ser santo para Jesus é viver a misericórdia no agitado ambiente secular, em vez de viver a quietude alienada do ambiente religioso que não tem janelas para a história da dor humana.

. Ser santo para Jesus é acreditar que a santidade não se polui quando toca com amor aquilo que é sujo.

. Ser santo para Jesus é não temer ser mal interpretado pela mente daqueles que estão sujos de pretensa santidade.

. Ser santo para Jesus é ser autêntico, original, sincero e não viver de hipocrisia.



. Para Jesus ser santo é ser verdadeiro para com a nossa condição humana: é ter coragem de chorar em público; de admitir perdas e saudades; de gritar de dor; de confessar depressão; de pedir ajuda emocional; de se confessar cansado; de dizer tenho sede; de confessar que a privacidade é um direito e uma necessidade de sobrevivência.

. Ser santo para Jesus é continuar sendo de Deus mesmo em meio ao mais profundo e implacável silêncio divino.



CONCLUSÃO:



Portanto, não santificamos a Deus com a nossa noção de sermos secretários de Deus, achando que sabemos tudo sobre Ele, achan­­do que discernimos toda a sua vontade, como se tivéssemos todas as manhãs uma entrevista marcada com Ele, na qual nos mostrasse detalhadamente todos os caminhos da vida. Não santificamos a Deus quando todo o nosso interesse em rela­­ção a Ele é sermos «ajudados». Ofendemos a Deus não somente pela negação do seu poder, mas também pela súplica egocêntrica, egoísta.

Não se santifica a Deus estabelecendo um lugar para Ele morar, caindo nas teologias pagãs do «lugar santo».

Finalmente – e isso é muito importante dizer – não sejamos santos pelo orgulho de sermos diferentes. Não sejamos santos por um dia e nos outros nos tornemos pessoas insensíveis. Sejamos santos segundo a medida que nos ensinou Jesus através da sua vida e história. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

NAZARÉ – (SERMÃO) – C. H. SPURGEON


Postado por CHARLES SPURGEON / On : 12:52/ SOLA SCRIPTURA - Se você crê somente naquilo que gosta no evangelho e rejeita o que não gosta, não é no Evangelho que você crê, mas, sim, em si mesmo - AGOSTINHO.


                                        - DOMINGO DE MANHÃ, 02 DE JUNHO DE 1867 -





"Todos os que estavam na sinagoga ficaram furiosos quando ouviram isso. Levantaram-se, expulsaram-no da cidade e o levaram até o topo da colina sobre a qual fora construída a cidade, a fim de atirá-lo precipício abaixo. Mas Jesus passou por entre eles e retirou-se" (Lc 4.28-30).








Jesus passou vários anos morando na casa do pai em Nazaré. Deve ter sido bem conhecido: a excelência do seu caráter e conduta devem ter atraído atenção. No devido tempo, partiu de Nazaré, foi batizado por João Batista no rio Jordão, e começou imediatamente a obra de pregar e operar milagres. Os habitantes de Nazaré, por certo, comentavam entre si: "Ele não deixará de vir para casa e visitar os pais; quando ele vier, todos ouviremos o que o filho do carpinteiro tem a dizer". Sempre há interesse em escutar um dos jovens da aldeia quando este se torna pregador, e esse interesse foi aumentado pela esperança de ver maravilhas, do tipo realizado em Cafarnaum. Foi despertada a curiosidade, todos esperavam e confiavam que Jesus tornasse Nazaré famosa entre as cidades das tribos; talvez ele se estabelecesse ali, e atraísse multidões de fregueses às lojas locais, ao tornar-se o grande Médico de Nazaré, o grande Operador de milagres da região. No tempo devido, segundo seus próprios planos, o Profeta famoso veio até sua cidade, e, ao se aproximar o dia do sábado, o interesse se tornou muito intenso, e as pessoas comentavam: "O que vocês acham? Ele estará na sinagoga amanhã? Se ele comparecer, deverá ser induzido a falar, de alguma maneira". O chefe da sinagoga, que partilhava da opinião popular, quando viu que Jesus estava presente, e chegando ao momento adequado na cerimônia, pegou o rolo do profeta, e o passou a ele, a fim de que lesse em voz alta uma passagem, e o comentasse da sua maneira. Todos os olhos estavam abertos; não havia ouvinte sonolento na sinagoga naquela manhã, quando ele pegou o rolo, abriu-o como quem estava bem acostumado com o livro, e escolheu uma passagem muito pertinente e aplicável a si mesmo; leu-a em voz alta, em pé, como posição de respeito à Palavra; e depois, tendo fechado o rolo, assentou-se, não por nada ter a dizer, mas porque era comum naqueles tempos que o pregador ficasse sentado e os ouvintes em pé, método muito preferido ao atual, em alguns aspectos, principalmente quando o pregador é manco, ou os ouvintes sonolentos. A passagem que Jesus leu diante deles era, como mencionei, muito adequada e aplicável a si mesmo; mas a questão mais notável não era tanto a parte lida, mas a parte que deixou de ler; pois a pausa foi feita quase no meio de uma frase: "Proclamar o ano da graça do Senhor" (Is 61.2a), disse ele, e parou ali. A passagem fica incompleta sem as seguintes palavras: "e o dia da vingança do nosso Deus" (Is 61.2b). Com sua sabedoria, nosso Senhor parou de ler antes de chegar àquelas palavras, e provavelmente desejasse que o primeiro sermão a pregar fosse manso e suave, e não contivesse uma única ameaça. O desejo do seu coração e sua oração por eles era que fossem salvos, e em vez do dia da vingança, fosse o ano da graça do Senhor.












Assim, fechou o livro, sentou-se, e começou a expor a própria comissão. Disse quem eram os cegos, os cativos, os doentes e feridos e oprimidos, e de qual maneira a graça de Deus provera liberdade, cura e salvação; todos ficaram admirados; nunca tinham ouvido ninguém falar com tanta fluência e contundência, com tanta singeleza, mas também com tanta nobreza. Todos os olhos se fixaram nele, e ficaram admirados com o estilo de quem falava, e com a matéria acrescentada. Não demorou em um burburinho passar pela sinagoga, pois cada um dizia ao vizinho de assento: " 'De onde lhe vêm estas coisas?', perguntavam eles... 'Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão? Não estão aqui conosco as suas irmãs?' " (Mc 6.2,3). Ficaram atônitos, e invejosos, também. Foi então, que o pregador, considerando que não era objeto do seu ministério deixar as pessoas atônitas, mas impressionar-lhes o coração, mudou de assunto, e obteve um tremendo impacto sobre a consciência deles; isso porque, se os homens concedem ao ministro sua admiração, realmente não lhe entregam nada.












Desejamos que vocês fiquem convictos e sejam convertidos e, faltando isso, o fracasso é nosso. Jesus deixou de lado um assunto de interesse tão ardente, tão frutífero com toda bênção, a ver que para eles, não valia mais que pérolas lançadas aos porcos, e falou para eles de modo pessoal, deliberado, um pouco mordaz, segundo pensavam: "É claro que vocês me citarão este provérbio: 'Médico, cura-te a ti mesmo! Faze aqui em tua terra o que ouvimos que fizeste em Cafarnaum' " (Lc 4.23), e então lhes disse claramente não reconhecer as reivindicações deles, embora tivesse sido criado naquele distrito, e convivido com seus habitantes; nem por isso tinha qualquer obrigação de demonstrar seu poder para agradar à vontade deles; e citou um caso aplicável: demonstrou que Elias (quando Deus, "pai dos órfãos e protetor das viúvas", queria abençoar uma viúva) não foi enviado para abençoar uma viúva de Israel, mas uma gentia, cananéia, dentre os cananeus malditos: "Elias não foi enviado a nenhuma delas [de Israel], senão a uma viúva de Sarepta, na região de Sidom" (Lc 4.26). Depois, Jesus mencionou, ainda, que Eliseu, servo de Elias, quando tinha uma cura a dar aos leprosos, não foi aos leprosos israelitas, sequer aos leprosos que trouxeram as boas notícias de que a hoste síria fugira, mas curou um estrangeiro proveniente de um país distante: Naamã. Foi assim que o Salvador expôs a doutrina da graça soberana; desse modo se declarou livre para fazer o que quisesse com o que lhe pertencia; e isso, junto com outras circunstâncias referentes àquele sermão, despertou tanto a ira da congregação inteira, que os olhos que tinham contemplado Jesus com admiração no início, passaram a ser ferozes como os dos animais selvagens, e as línguas prontas para aclamá-lo, começaram a urrar com indignação.










Puseram-se em pé imediatamente para matar o pregador, e a curiosidade de ontem tornou-se a indignação de hoje; e ao passo que, poucas horas antes, teriam acolhido com boas-vindas o profeta à sua região, agora considerariam "Crucifique-o! crucifique-o!", bom demais para ele. Arrastaram-no para fora da sinagoga, desfazendo o próprio culto, esquecidos da santidade do dia que sempre tinham respeitado de modo tão notável, e o arrancaram para lançá-lo (assim como malfeitores às vezes eram jogados de rochedos altos, precipício para baixo) do topo da colina sobre a qual fora construída a cidade. Jesus passou por entre eles e retirou-se; mas que término singular a semelhante começo! Ora, vocês e eu teríamos dito: Que campo frutífero temos aqui! O melhor dos pregadores, e um dos auditórios mais desejáveis--um povo atento, de ouvidos abertos, quase todas bocas abertas, tão maravilhados com ele, com seu modo de falar, e com o que ele tem para dizer! Aqui haverá numerosas conversões. Nazaré será a fortaleza do cristianismo, a própria metrópole da nova religião. Mas nada disso! Tamanha é a perversidade da natureza humana, que onde esperamos muito, obtemos pouco, e o campo que deveria produzir trigo com cem grãos por grão semeado, nada produz senão abrolhos e cardos.

Meu desígnio, como Deus me ajudar, é fazer uma aplicação dessa narrativa ao coração e à consciência de algumas pessoas, que lidam com o Salvador de maneira bem semelhante à que os homens fizeram com ele nos dias da sua vida na terra. Consideraremos, em primeiro lugar: quem eram esses que rejeitam a Cristo; em segundo lugar: por que essa rejeição; e, em terceiro lugar: o que veio dessa rejeição.









I. Em primeiro lugar, quem eram esses rejeitores de cristo? Postulo essa pergunta, por estar convicto de que, no presente momento, há exemplares e representantes dessas pessoas.










Eram, caros amigos, em primeiro lugar, pessoas com o mais estreito relacionamento com o Salvador. Habitavam a cidade onde morava. Normalmente, esperaríamos que seus concidadãos lhe demonstrassem mais bondade. Ele veio para os seus, e embora os seus não o acolhessem, era assunto da máxima estranheza não lhe darem as boas-vindas. Ora, há pessoas hoje, que não são cristãos; não estão com Cristo e, como conseqüência, são contra ele; mesmo assim, têm mais estreito relacionamento com Cristo que quaisquer pessoas inconversas no mundo inteiro, porque, desde a infância, freqüentam cultos religiosos, participam dos cânticos, das orações e da adoração na casa de Deus; além disso, estão plenamente persuadidos da autenticidade e divindade da Palavra de Deus, e não duvidam que o Salvador foi enviado da parte de Deus, que ele pode salvar, e é o Salvador estabelecido por Deus. Não ficam perturbados com dúvidas, pensamentos céticos não os deixam perplexos; são, na realidade, semelhantes a Agripa, quase persuadidos a serem cristãos. Não são cristãos, mas têm o mais estreito relacionamento com os cristãos que qualquer povo que habita na face da terra. Esperaríamos, naturalmente, que fossem as melhores pessoas para acolherem a pregação, mas não têm comprovado ser assim. Na minha experiência, não são bons ouvintes, visto que algumas pessoas, têm menos probabilidade de serem levadas à decisão do que os que estão longe. Vocês sabem a quem me refiro, pois alguns de vocês que me olham frente a frente, podem muito bem estar pensando: "Mestre, ao falares assim, repreendas também a nós".

Essas pessoas de Nazaré eram também quem mais sabiam a respeito de Cristo. Conheciam bem a mãe de Jesus e os demais parentes. Conheciam sua ascendência inteira. Podiam contar, de imediato, que José e Maria provinham da tribo de Judá; é provável que pudesse explicar por que o casal viera de Belém, e como tinham permanecido algum tempo no Egito. A história inteira do menino maravilhoso lhes era bem conhecida. Ora, por certo essas pessoas que não precisavam receber aulas quanto aos rudimentos, nem necessitavam ser instruídas nos elementos da fé, deviam ter sido uma congregação bem esperançosa para receber a pregação de Jesus, mas isso não ocorreu. Há muita gente notavelmente semelhante àquelas pessoas. Vocês conhecem a história inteira do Salvador desde a sua infância. Mais do que isso: vocês entendem muito bem, em teoria, as doutrinas do evangelho. Conseguem debater as verdades do evangelho, e se deleitam em fazer assim, pois se interessam profundamente por elas. Quando lêem as Escrituras, a Bíblia não lhes é um volume obscuro e misterioso, que não conseguem compreender de modo algum, vocês são capazes de ensinar aos outros os princípios fundamentais da verdade; no entanto, apesar de tudo isso, é muito triste que vocês, sabendo tanto, praticam tão pouco. Receio que alguns dentre vocês conhecem tão bem o evangelho, que por essa mesma razão ele tem perdido boa parte do seu poder, pois é tão bem conhecido como uma história contada três vezes. Se vocês o estivessem ouvindo pela primeira vez, a própria novidade os impressionaria, mas semelhante interesse vocês não conseguem sentir. Dizia-se a respeito da pregação de Whitefield que uma razão do seu grande sucesso era pregar o evangelho a pessoas que nunca o ouviram antes. O evangelho era, para as grandes massas da Inglaterra nos dias de Whitefield, uma novidade. O evangelho tinha sido extirpado da Igreja da Inglaterra e dos púlpitos dos dissidentes, ou quando permanecia, ficava com os poucos dentro da igreja, e era desconhecido das massas fora dela.





O evangelho singelo de "creia e viva", era tão grande novidade que, quando Whitefield se colocava em pé nos campos para pregar a multidões de dezenas de milhares, eles ouviam o evangelho como se fosse uma nova revelação proveniente dos céus. Mas alguns de vocês ficaram endurecidos. Seria impossível colocar o evangelho em um novo formato para seus ouvidos. Os ângulos e cantos da verdade ficaram, para vocês, desgastados e arredondados. Domingo após domingo, vocês chegam a igreja--são freqüentadores desde longo tempo--acomodam-se nos assentos e acompanham o culto, que para vocês se tornou mera rotina semelhante a levantarem da cama de manhã e se vestirem. O Senhor sabe que temo a influência da rotina sobre mim mesmo; receio que lidar com a alma de vocês venha a ser mera formalidade comigo, e oro a Deus para que ele os livre, e a mim, da influência mortífera da rotina religiosa. Seria melhor para alguns de vocês mudar de local de culto, a dormir no local antigo. Escutem outro pregador, se vocês já me escutam muito tempo, sem receberem uma bênção. Em vez de ocupar os bancos da igreja e perecer na pregação da Palavra, levados a dormir pelo evangelho cujo propósito é acordá-los, vão para outro lugar, e deixem outra voz falar aos seus ouvidos, e que outro pregador verifique o que Deus pode fazer por meio dele. Que o Espírito de Deus os salve, e para mim a alegria será igual, quer vocês sejam salvos pelo ministério de outra pessoa, ou com a minha pregação. A questão, no entanto, é a seguinte: é realmente triste que homens com um relacionamento tão estreito com o cristianismo, que sabem tanto a respeito de Cristo, rejeitem, mesmo assim, ao Redentor.

Essas pessoas, ainda, imaginavam possuir alegações sobre Cristo. Arrazoavam, por certo: "Ele é um homem de Nazaré, e seu dever é ajudar a cidade". Consideravam-se, por assim dizer, donos dele, podiam dirigir-lhes os poderes segundo sua vontade. Nosso Salvador rejeitou a idéia, e não se submeteu ao jugo deles. Às vezes cheguei a recear que vocês, filhos de pais piedosos, ou donos de assentos na igreja, ou contribuintes para vários objetivos religiosos, imaginem no coração que, se alguém devesse ser alvo, teriam que ser vocês; no entanto, sua reivindicação não tem fundamento. Queira Deus que vocês não fossem quase salvos, mas totalmente salvos, cada um de vocês! Mas talvez o próprio fato de vocês acharem ter direito à graça, seja a pedra de tropeço no seu caminho, porque vocês pensam: "Por certo, Jesus Cristo lançará um olhar de favor sobre nós, mesmo que outras pessoas pereçam!".







Réplica da casa de Jesus 



Digo-lhes que Jesus fará o que ele quiser com o que lhe pertence, e cobradores de impostos e meretrizes entrarão no céu antes de alguns de vocês, se acharem que possam reivindicar a misericórdia como direito; isso porque a misericórdia divina é a dádiva soberana de Deus, e ele deseja informá-los de que é assim. Ele disse com voz de trovão: "Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão" (Êx 33.19; v. Rm 9.15). Se você recalcitrar contra sua soberania, tropeçará em uma pedra contra a qual será quebrado. Quem dera que vocês pudessem ter consciência de não poderem reivindicar nada de Deus, e que se colocassem na posição do cobrador de impostos que sequer ousava levantar os olhos aos céus, mas que batia no peito, dizendo: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador", você fica em uma condição na qual Deus pode abençoá-lo, de modo coerente com a dignidade da sua soberania. Oh, assumam a posição que a graça aceita! Mendigos, assim que vocês devem ser, e não os que escolhem o que querem.

Quem pede a graça, não pode pretender ditar ordens a seu Deus; quem quiser ser salvo, por mais indigno que seja, precisa comparecer diante de Deus na condição de suplicante, e implorar com humildade, por misericórdia, que o amor do Senhor lhe seja manifestado. Receio que haja na mente de alguns de vocês o sabor do espírito de presunção e, se for assim, vocês são o povo que rejeitou a Cristo. Ouçam, ó céus! Escute, ó terra! Chamamos os céus, e a terra redonda para testemunhar: aqui estão as pessoas próximas de serem cristãos, que conhecem o evangelho segundo a letra, e que pensam ter direito ao Salvador, mas que, mesmo assim, permanecem desobedientes ao mandamento divino: "Creiam e vivam:" viram as costas e rejeitam o Salvador, e não vêm até ele para ter vida. Ouçam isso, digo eu, ó céus, e fique atônita, ó terra!










II. Em segundo lugar, devemos explicar as razões para a rejeição do messias.

As razões serão aplicáveis a alguns, os inconversos sentados nas igrejas. Às vezes, o Espírito Santo vem sobre o auditório com poder para derreter corações, e leva os homens a sentir a verdade que visa a eles mesmos. Orem, meus caros irmãos em Cristo, que tal seja o caso agora; que nossos amigos inconversos, que nos dão tanta preocupação por causa da inimizade contra Jesus, sejam impressionados com as exortações que agora lhes são dirigidas. Por que rejeitaram a Cristo? Acho que assim fizeram por sentimentos muito complexos, não explicáveis por uma circunstância isolada. Várias coisas contribuíram para produzir sua ira e inimizade. O fogo da sua zanga foi alimentado com vários tipos de combustível.








Em primeiro lugar, não acharia estranho se o alicerce da sua insatisfação fosse lançado no fato de não sentirem ser as pessoas incluídas na comissão que o Salvador declarou ter. Observem: ele disse, no versículo 18, que "ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres". Ora, os mais pobres na sinagoga talvez se sentissem satisfeitos com aquela palavra; mas, visto ser quase uma máxima entre os doutores judeus que não significava o que aconteceria com os pobres - pois poucos ricos poderiam entrar no céu--a própria proclamação de um evangelho aos pobres deve ter soado horrivelmente democrático e extremado, e deve lhes ter colocado na mente deles o embasamento de um preconceito. Jesus se referia, logicamente, aos "pobres de espírito" (espiritualmente humildes), quer fossem pobres em dinheiro, quer não, por serem os pobres aos quais Jesus vem abençoar; mas o emprego de expressões tão contrárias a tudo o que tinham sido acostumados a ouvir levava-os a morder os lábios, enquanto falavam entre si: "Não somos pobres de espírito; não guardamos a lei?". Não diziam alguns deles: "Temos usado os nossos filactérios, aumentado as fímbrias das nossas vestes; nunca comemos sem ter as mãos lavadas; coamos todos os mosquitos do nosso vinho; observamos jejuns e festas, e fizemos orações prolongadas--por que devemos sentir qualquer pobreza de espírito?".

Daí acharem que para eles, nada havia na missão de Cristo. Quando Jesus passou a mencionar os quebrantados de coração (ARC), eles não sentiam a mínima consciência da necessidade do coração quebrantado. Sentiam-se de coração íntegro, satisfeitos consigo mesmos, perfeitamente contentes. Qual é a utilidade de um pregador? Quem deve pregar aos quebrantados de coração quando todos os seus ouvintes pensam não ter necessidade de quebrantar o coração com arrependimento? Em seguida, quando Jesus falou dos cativos, dos presos, os ouvintes alegavam terem nascido livres, e não estavam no cativeiro de ninguém; rejeitavam com desprezo a idéia da necessidade de algum libertador, por serem tão livres quanto possível. Quando Jesus passou a falar dos cegos, diziam: "Cegos! Ele está nos ofendendo? Somos homens de ampla vista--não cegos! Que ele vá pregar aos marginalizados que ficaram cegos, mas quanto a nós, conseguimos enxergar as próprias profundezas de todos os mistérios. Da parte de Jesus, não precisamos de instrução nem da abertura dos olhos". Quando, finalmente, Jesus falou dos oprimidos, como se tivessem sido açoitados por seus pecados--a reação dos ouvintes foi: "Não temos pecados para sermos castigados; somos pessoas honrosas e retas, e nunca fomos castigados pelos açoites da lei; não queremos a liberdade dos oprimidos. O que é o ano da graça do Senhor para nós, se é só para os oprimidos? Não somos pessoas assim". Em um só relance vocês percebem, meus irmãos, o motivo, na atualidade, da rejeição de Jesus por tantas pessoas que freqüentam igrejas nacionais ou capelas independentes? Nisto vocês percebem a razão de tantos dos freqüentadores de nossos locais de culto rejeitarem a salvação pela graça; é porque não sentem consciência da necessidade de um Salvador. Acham-se ricos, donos de muitos bens, sem precisar de nada. Mas não conhecem sua pobreza, miséria e nudez. Alegam ser inteligentes, bons pensadores, e iluminados; não sabem que, até alguém enxergar a Cristo, anda nas trevas, é totalmente cego, e não enxerga nenhuma luz.

Não estão oprimidos, dizem. Queira Deus que estivessem! É possível que Deus os tenha deixado, porque de nada adiantava castigá-los--para que feri-los mais? Ficam cada vez mais revoltados. É porque não sentem as fustigações da consciência, nenhum terror da lei de Deus, e por isso, Jesus Cristo não é, para eles, uma raiz de terra seca. Desprezam-no, como o homem saudável faz pouco caso de médico, e o rico não deseja as esmolas dos benevolentes. Ah, caros amigos, quero lembrar-lhes que, mesmo sem sentir a necessidade de um Salvador, aquela necessidade não deixa de existir, embora não a enxerguem. Vocês nasceram no pecado e foram formados na iniqüidade, e nenhuma água batismal pode lavar sua impureza. Além disso, vocês pecam desde a juventude, no coração, nas palavras e nos pensamentos; e já estão condenados, por não terem crido no Filho de Deus. Embora sua iniqüidade talvez não tenha sido flagrante, não deixa de existir um texto que preciso relembrar-lhes: "Os ímpios serão lançados no inferno e todas as nações que se esquecem de Deus" (ARC). Essa última categoria pertence a você, meu ouvinte--que se esquece, que protela, que não leva a sério, que aguarda "uma oportunidade mais conveniente"; você que convive na presença do evangelho, mas não cumpre seus mandamentos, porém diz aos pecados: "Amo-os demasiadamente para me arrepender de vocês", e à sua justiça hipócrita: "Gosto demasiadamente deste alicerce para deixá-lo a fim de edificar no alicerce que Deus lançou na pessoa de seu Filho amado". Ah, meus caros ouvintes, é o alto conceito de si mesmo que leva o saco vazio a se imaginar cheio, que leva o faminto a sonhar que festejou e está satisfeito. É o farisaísmo--ser justo aos próprios olhos--que leva à perdição milhares de almas. Nada existe de tão ruinosa como a autoconfiança presunçosa. Oro para o Senhor levar vocês a se sentirem desgraçados, arruinados, perdidos, repudiados, para então não haver receio da rejeição a Cristo, pois o que está em falência total está disposto a aceitar um Salvador; o que nada pode contribuir por conta própria, prostra-se diante da cruz, e aceita alegremente "todas as coisas" armazenadas no Senhor Jesus. Tudo isso representa a primeira razão (e talvez a maior delas) por que os homens rejeitam ao Salvador.

Mas, em segundo lugar, não sinto a mínima dúvida de que os homens de Nazaré estavam zangados com Cristo por causa das reivindicações extremamente altas. Ele disse: "O Espírito do Senhor está sobre mim". Isso lhes causou espanto. No entanto, poderiam estar dispostos a reconhecer que ele era profeta e, se esse fosse o sentido pretendido por ele, teriam paciência, mas quando ele disse: "ele me ungiu para pregar", e assim por diante, declarando-se ninguém menos que o Messias prometido, sacudiram a cabeça, e murmuravam entre si: "Ele afirma coisas demais". Quando se colocou em pé de igualdade com Elias e Eliseu, e declarou ter os mesmos direitos e o mesmo espírito que esses famosos, e por inferência comparava seus ouvintes aos adoradores de Baal nos dias de Elias, então eles sentiam que Jesus se colocara em posição alta demais, e rebaixava-os demais. E aqui, de novo, vejo outra razão dominante por que tantos de vocês, gente boa, rejeitam meu Senhor e Mestre. Ele se coloca muito alto; ele exige demais de vocês: e os rebaixa demais. Ele lhes diz que precisam ser nada, e que ele deve ser tudo. Diz a vocês que devem deixar de lado seu deus-ídolo: o mundo, seus prazeres, e que ele deve ser seu Mestre, e não a própria vontade de vocês. Ele lhes manda arrancar o olho direito do prazer, caso seja um tropeço no caminho da santidade, e arrancar o braço direito do lucro se este os leva a cometer pecado. Ele lhes diz para pegar sua cruz e segui-lo para fora do arraial, deixando para trás a religião do mundo e a irreligião do mundo, inconformados com o mundo, mas tornando-se inconformistas, em um sentido sagrado, com todas as vaidades e máximas, costumes e pecados. Ele lhes diz que deve ser o Príncipe Imperial na sua alma, e que vocês devem estar dispostos a serem seus servos bem dispostos e seus discípulos amorosos. Essas são reivindicações sublimes demais para a natureza humana se submeter; entretanto, caros ouvintes, lembrem-se de que se vocês não se submeterem a elas, uma coisa bem pior os aguarda. Beijem o Filho, beijem seu cetro agora, digo. Curvem-se diante dele agora, e o reconheçam, pois, de outra forma, cuidem "para que ele não se ire e vocês não sejam destruídos de repente, pois em um instante acende-se a sua ira" (Sl 2.12a). Os que não beijarem o cetro de prata, serão quebrados com a vara de ferro. Quem não quer ter Cristo para reinar sobre si com amor, o terá para reinar em terror, no dia em que ele colocar as vestes da vingança, e tingi-las com o sangue de todos os seus inimigos. Oh, confessem-no quando ele está coberto do próprio sangue, para não serem obrigados a confessá-lo quando estiver coberto com o sangue de vocês! Aceitem-no enquanto puderem, pois vocês não conseguirão escapar dele quando seus olhos, como de fogo, lançarem chamas devoradoras contra seus adversários! Ai deles! Esta é causa frutífera de danos aos filhos dos homens: não conseguem tratar o Rei Jesus como ele merece, mas queriam deixar o Senhor da glória de lado! Quão vis são os corações que querem desferir pontapés contra um Rei tão querido, tão grandioso, tão bondoso!

Em terceiro lugar, outra razão pode ser achada no fato de não estarem dispostos a aceitar Cristo até ele ter exibido alguma grande maravilha. Cobiçavam os milagres. A mente do povo estava em condição doentia. O evangelho do qual precisavam, não queriam aceitar; os milagres que Jesus não optou por conceder, exigiam ansiosamente. Oh! quantos existem hoje em dia que exigem sinais e maravilhas, pois de outra forma não crerão! Conheço você, moça, que resolveu no coração: "Devo ter o mesmo sentimento que John Bunyan tinha--o mesmo horror de consciência, a mesma depressão de alma, senão nunca crerei em Jesus". Mas o que acontecerá se você nunca se sentir assim, e provavelmente você nunca sentirá? Você irá ao inferno por sentir-se despeitada contra Deus, só por ele não fazer exatamente o que fez a favor de outra pessoa? Certo moço ali, disse: "Se eu tivesse um sonho, como fiquei sabendo que Fulano teve, ou se me acontecesse algum acontecimento maravilhoso providencial, que fosse exatamente segundo o meu gosto; ou se sentisse hoje algum choque repentino, cuja razão desconheço, então eu creria". Assim, você sonha em ditar ordens a meu Senhor e Mestre! Vocês são mendigos diante da porta dele, suplicando misericórdia, e ainda querem definir as regras ou regulamentos a respeito de como ele concederá misericórdia! Vocês acham que ele se submeterá a isso? Meu Mestre é de espírito generoso, mas seu coração é da realeza, e repudia ordens a ele ditadas, e mantém sua soberania de ação. Mas por que, caro ouvinte, você anseia por sinais e maravilhas? Não é maravilha suficiente que Jesus o convide a confiar nele, e promete que você será salvo imediatamente? Não é sinal suficiente que Deus propôs um evangelho tão sábio assim: "Creia, e viva?". Isso não basta--o evangelho não é propriamente um sinal, uma maravilha, e sua própria comprovação, porque o que crê tem a vida eterna? Não é este um milagre dos milagres, que "Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça?" (Jo 3.16). Certamente a palavra preciosa: "Quem tiver sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida" (Ap 22.17), e a promessa solene: "Quem vier a mim eu jamais rejeitarei" (Jo 6.37b), são melhores que sinais e maravilhas. Devemos crer no Salvador que nos conta a verdade. Ele nunca mentiu. Por que você pede comprovação de quem não pode mentir? Os próprios demônios o declararam Filho de Deus; mas você quer se contrapor a ele? Ó graça soberana, poderosa e irresistível, vença essa iniqüidade no coração dos homens, e torne-os dispostos a confiar em Jesus, quer vejam sinais e maravilhas, quer não.

E, ainda--talvez agora acerte em cheio em alguns casos--, embora não em muitos neste local: parte da irritação existente na mente dos homens de Nazaré foi provocada pela doutrina peculiar pregada pelo Salvador sobre o assunto da eleição. Acho que, no fundo, esta era a picada dolorosa de toda a questão: ele definiu o direito divino de dispensar seus favores exatamente como queria; e que, ao proceder dessa forma, muitas vezes selecionava os objetos mais inesperados, por exemplo: uma viúva de longe, da região idólatra de Sidom, recebeu o suprimento de suas necessidades durante a fome, ao passo que as viúvas de Israel ficaram sem farinha (1Rs 17); que em outra ocasião, nos tempos de Eliseu, quando Deus quis curar um leproso, deixou morrer leprosos israelitas, mas o leproso proveniente da terra idólatra da Síria, que costumava curvar-se no templo de Rimom, recebeu a cura (2Rs 5). Ora, os ouvintes não gostaram disso, e penso que mesmo na congregação aqui presente, embora estejam razoavelmente acostumados a ouvir declarações contundentes a respeito da soberania de Deus--não nos envergonhamos de pregar a predestinação e a eleição tão claramente quanto pregamos qualquer outra doutrina--, não deixa de haver alguns que se sentem muitíssimo desconfortáveis quando essa doutrina é suscitada, e quase sentem vontade de matar o pregador, por ser essa doutrina muito ofensiva à natureza humana.

Nota-se, em todos os lugares, que o ódio da Igreja de Roma pelo luteranismo não é a metade do que ela sente contra o calvinismo. A doutrina da graça--a alma do calvinismo--é veneno para o papismo; a Igreja Romana não suporta a verdade de que Deus salvará segundo a vontade divina; que ele não confiou a salvação às mãos dos sacerdotes, nem a entregou a nosso mérito ou vontade própria para sermos salvos. Deus é o dono do guarda-jóias da graça, e a distribui a quem quiser. É essa a doutrina que deixa os homens tão zangados, sem saber o que dizer a respeito; no entanto, meu caro ouvinte, espero que esta não seja a razão de sua recusa em crer em Jesus, porque se for, é uma razão bastante estulta, pois embora isso seja a verdade, há ainda outra verdade: "Quem crer em Jesus Cristo, não perecerá". Embora seja verdade que o Senhor terá misericórdia de quem tiver misericórdia, é também verdade que sua vontade é ter misericórdia, e já teve misericórdia da alma que se arrepende de seu pecado e confia em Jesus. Por que levantar suspeitas contra uma verdade simplesmente porque você não consegue entendê-la? Por que resistir ao aguilhão para se ferir, enquanto ele permanece afiado como sempre, e não será removido por pontapés? O propósito do Senhor dos Exércitos é manchar o orgulho da vanglória, e levar ao desprezo a excelência da terra: "Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus" (Rm 9.16). O Senhor fará cair a árvore alta, ressecar a árvore verde e florescer a árvore seca (Ez 17.24), para que nenhuma pessoa se glorie na sua presença, mas que o Senhor seja exaltado.

Curve-se, portanto, diante da graça soberana! Ele não deve ser Rei? Quem mais deve governar senão Deus? E já que ele é Rei, não tem o direito de perdoar o criminoso condenado a morrer, sem dar razão a você? Deixe de lado a questão e as outras pessoas, e venha a Jesus, cujos braços abertos o convidam. Ele diz: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso" (Mt 11.28). Se você esperar até solucionar todas as dificuldades, jamais virá. Se você recusar a Cristo até compreender todos os mistérios, perecerá nos seus pecados. Venha enquanto o portão está aberto e a lâmpada continua acesa, pois ele disse: "Quem vier a mim eu jamais rejeitarei" (Jo 6.37b)".


Preciso, ainda, mencionar outra razão das objeções dos moradores de Nazaré contra o Senhor: foi provavelmente porque não amavam as palavras claras e pessoais dirigidas a eles pelo Senhor. Alguns ouvintes fingem ser muito delicados. Não querem que as coisas sejam chamadas pelo nome. A pá não deve ser chamada "pá", deve ser "implemento agrícola", e mencionada apenas em termos delicados. Entretanto, o Senhor não empregava linguagem refinada. Ele falava com clareza, e se dirigia às pessoas desse modo. Sabia que as pessoas iriam para o inferno, por mais singeleza que usasse, e por isso não lhes deixaria ter a desculpa de não poderem entender o pregador. Colocava a verdade com tamanha nitidez para que não só pudessem compreendê-la, mas também não pudessem deixar de entendê-la, mesmo não querendo. Sua pregação era muito pessoal. "Vocês dirão." Ele não falou a respeito de Cafarnaum, mas a respeito de Nazaré, e isso também contribuiu para deixá-los zangados.


Além disso, Jesus deu indício da intenção de abençoar os gentios. Elias alimentou a gentia, e Eliseu curou o gentio, e esse fato indubitável levou os judeus a ranger os dentes, por recear a cessação de seu monopólio das bênçãos, e que dádivas da graça seriam dadas a outros, além dos filhos de Israel. Um cão gentio seria admitido na família, e além de ter licença de comer as migalhas que caíam da mesa, seria transformado em filho: os judeus não poderiam agüentar isso. Ora, existe muito espírito de monopolização entre as pessoas justas aos próprios olhos. Já ouvi pessoas dizerem, e fiquei chocado ao ouvi-lo: "Oh! estão realizando reuniões de evangelização para tirar essas moças da rua. Não dá resultado. Vocês podem tentar; mas não vale a pena tentar transformá-las. E, ainda, há outras pessoas que cuidam de gente de baixo caráter, indo para as horríveis favelas da periferia. Ora, se existe gente ali, é porque merece estar ali; não devemos nos rebaixar a ponto de nos preocupar com essa gente imprestável. Aqui temos a igreja, e se não optam por freqüentá-la, que fiquem longe". Quanto a ir aos em situação mais baixa, há quem torça o nariz diante da idéia de fazê-lo. Isso não passa da monopolização antiga e horrível do evangelho pelos judeus; seria como se essa gente não fosse tão boa quanto vocês, apesar de todos os seus pecados e de sua pobreza; isto porque, embora os vícios deles porventura fossem externos, isso em nada é mais detestável que a soberba de algumas pessoas jactanciosas da própria justiça (que aliás sequer existe).


Não sei quem é mais abominável a Deus: o pecador descarado ou a pessoa que em público tem uma vida virtuosa, mas cuja soberba interna resiste ao evangelho. Não importa ao médico ver a erupção no lado de fora da pele, ou saber que ela está no lado de dentro; talvez ele considere mais difícil lidar com esta que com aquela. Ora, o Senhor Jesus Cristo queria que você soubesse que, por mais virtuosos, vocês precisam chegar a ele da mesma maneira que os mais vis dentre os vis. Devem chegar como culpados--não podem comparecer como justos; devem chegar a Jesus para serem lavados; devem chegar a ele para serem vestidos. Vocês pensam que não querem ser lavados; imaginam-se vestidos, cobertos e de belo aspecto; mas oh! a roupa da respeitabilidade exterior e da moralidade externa, muitas vezes não passa de uma película para ocultar a lepra abominável, até a graça de Deus transformar o coração. Deus requer a verdade no interior do coração, e na parte mais secreta da nossa alma nos ensinará a sabedoria; mas nossa pátria superficial está perfeitamente satisfeita com os sinais exteriores de polidez, de modo que vocês podem ser tão podres quanto quiserem no coração. O Deus vivo não tolera fingimento--vocês precisam nascer de novo. Mas essa doutrina, também, é uma que as pessoas não conseguem suportar, e dirão muitas coisas duras contra o pregador, e por essa razão rejeitam a Cristo, mas, ao assim fazer, rejeitam a misericórdia para si mesmas-a única esperança do céu--, e selam a própria destruição.


Quando lido com um assunto tal como este, gostaria de que o tempo não voasse tão rápido. Parece que estou afetando a consciência de alguns de vocês aqui, e estou martelando como se fosse com uma marreta grande, mas receio que bem pouco efeito está sendo produzido, porque o ferro está frio. Quem dera que o Senhor os colocasse no forno, para torná-los como ferro fundido! Nesse caso, o martelo do evangelho e o da lei, juntos, poderiam muito bem lhes dar um formato um pouco mais evangélico, para serem salvos. O braço de Deus é suficientemente forte, e o fogo de Deus suficientemente quente, para derreter até mesmo o ferro do farisaísmo, da justiça própria.


III. E agora, qual foi o resultado?


O resultado foi o seguinte: Em primeiro lugar, expulsaram da sinagoga o Salvador, e procuraram lançá-lo do topo da colina, precipício abaixo. Estes eram seus amigos, pessoas boas e respeitáveis: quem teria acreditado que fariam isso? Você, vendo essas pessoas boas na sinagoga, que cantavam tão docemente, e que escutavam com tanta atenção, poderia ter adivinhado que dentro de cada casaco havia um assassino? Bastava, apenas, a oportunidade para trazer à tona esse aspecto; pois todos querem lançar Jesus colina abaixo. Não estamos conscientes de quanto do Diabo existe em qualquer um de nós; se não formos renovados e transformados pela graça, seremos herdeiros da ira tanto quanto os demais. A descrição apresentada em Romanos, no segundo capítulo, nesse capítulo pavoroso, é um quadro verdadeiro de todo filho de Adão. Talvez ele tenha a aparência respeitável: parece um cordeiro, e tão quieto que uma criancinha pode brincar perto do esconderijo da cobra; mas nem por isso deixa de ser uma cobra mortífera. A cobra pode dormir, e você poderá brincar com ela, mas é só ela acordar, e perceberá como ela é mortífera. O pecado pode jazer adormecido na alma, mas poderá chegar a ocasião em que despertará; e poderá vir um tempo na no país em que as boas pessoas apegadas às fímbrias das vestes de Cristo, freqüentadores de nossos locais de culto, venham a realmente se transformar em perseguidores. Já aconteceu na Inglaterra. As pessoas que escutavam o evangelho no fim do reinado de Henrique VIII--pessoas tão felizes ao escutar Hugh Latimer no reinado de Eduardo VI--, estavam igualmente dispostas, no reinado da rainha Maria, a trazer tochas e queimar os servos do Senhor até a morte. Caros amigos, sua oposição a Cristo talvez não chegue até essa forma tão ativa, porém, a não ser que se convertam, são inimigos de Jesus. Vocês negam esse fato! Pergunto, então, por que vocês não crêem nele? Por que não confiam nele? Já que não se opõem a ele, por que não se entregam a ele? Mas enquanto não confiarem nele, só posso classificá-los como seus inimigos. Vocês apresentam a comprovação mais clara disso, ao não quererem ser salvos por ele. Se houvesse alguém se afogando, e outro lhe estendesse a mão, e o primeiro lhe dissesse: "Não, não quero ser salvo por você, prefiro morrer afogado", quão grande comprovação de inimizade esta seria! Que outra poderia ser mais contundente? É este o caso de vocês: sua recusa de serem salvos pela graça de Cristo. Oh, quão grandes inimigos de Cristo vocês devem ser, no fundo do seu coração!


Mas qual foi o resultado final? Ora, embora o expulsassem, não conseguiram provocar nenhum dano ao Salvador. Apenas esses homens saíram lesados. Cristo não foi precipitado do topo da colina; escapou pelo seu poder milagroso: e o evangelho não será prejudicado ainda que vocês o rejeitem, e ainda façam coisa pior que rejeitá-lo--opor-se a ele. Jesus Cristo passa pelo meio dos inimigos sem sofrer dano. No meio das perseguições promovidas por Nero e Diocleciano, o verdadeiro Cristo de Deus seguiu seu caminho. No transcurso de todas as fogueiras ordenadas por Maria, e dos enforcamentos por Elisabete, passando pelos tempos de Claverhouse e seus soldados de cavalaria, o bom e velho evangelho permaneceu invicto diante dos inimigos. Permanece o mesmíssimo até o dia de hoje: escapa de toda a ira dos inimigos mais virulentos. E o que veio a ser deles? Ora, tinham rejeitado a Cristo, e ele os deixou, deixou-os sem cura, por causa da incredulidade deles--e assim será com vocês. E o aconteceu há 1860 anos, e a alma de todos os homens de Nazaré aparecerão diante do tribunal de justiça; poucos anos mais, quando soar a grande trombeta, todos os homens que procuraram lançar Jesus precipício abaixo, terão que olhar para ele; e o verão sentado onde não poderão agarrá-lo, nem o lesar, nem o lançar para baixo. Que vista esta será para eles! Dirão um para o outro: "Não é este o filho de José?". Quando o virem sentado no trono da sua glória, e todos os santos anjos com ele, dirão: "A mãe dele não está em nosso meio, bem como seus irmãos e irmãs". Dirão a ele, então: "Médico, cure a si mesmo?". Oh, que mudança haverá nas cervizes tão endurecidas! Como haverá enrubescimento no lugar do olhar de desprezo, e em troca de cada palavra de ira, haverá clamores, choro, uivos, e o ranger dos dentes! Meus ouvintes, a mesma coisa acontecerá com vocês. Dentro de poucos anos, vocês e eu teremos misturado nossos ossos com a mãe terra, e depois disso haverá a ressurreição geral, e viveremos e ficaremos na Terra nos últimos dias, e Cristo virá nas nuvens do céu, e vocês que ouviram o evangelho e desprezaram a Cristo, o que dirão? Tenham prontas as suas desculpas, pois dentro de pouco tempo serão conclamados a declarar por que o juízo não deve ser declarado contra vocês. Não poderão dizer que não conheceram o evangelho, ou que não foram advertidos dos resultados de rejeitá-lo: conheceram-no, e o que mais poderão ter conhecido? Mas seu coração não acolheu o que vocês souberam.


Quando o Senhor começar a dizer: "Malditos, apartem-se de mim" (Mt 25.43a), que direito vocês terão para não serem contados junto com essas pessoas amaldiçoadas? Será vão dizer: "Comemos e bebemos contigo, e ensinaste em nossas ruas", pois essa será uma agravação: o reino dos céus chegou tão perto de vocês, porém não o acolheram. E quando forem lançados os raios, e o que antes era o Cordeiro tão cheio de misericórdia, brilhará como o Leão da tribo de Judá, cheio de majestade, o raio receberá força e velocidade adicionais valendo-se do seguinte fato--vocês rejeitaram a Cristo, a quem ouviram, mas se fizeram como surdos diante dele; negligenciaram a grande salvação, e desprezaram o Espírito da graça. Já que nem posso esperar que ache palavras com a mesma força da linguagem de Deus, encerrarei este sermão lendo diante de vocês estas poucas palavras, e peço que vocês as acolham com sinceridade. Acham-se no primeiro capítulo de Provérbios, do versículo 24: " 'Vocês, porém, rejeitaram o meu convite; ninguém se importou quando estendi a mão!'. Visto que desprezam totalmente meu conselho e não quiseram aceitar minha repreensão, eu, de minha parte, rir-me-ei da sua desgraça; zombarei quando o temor se abater sobre vocês, quando o que temem abater-se sobre vocês como uma tempestade, quando a desgraça os atingir como um vendaval, quando a angústia e a dor os dominarem. Então vocês me chamarão, mas não responderei; procurarão por mim, mas não me encontrarão. Visto que desprezaram o conhecimento e recusaram o temor do Senhor, não quiseram aceitar meu conselho e fizeram pouco caso da minha advertência, comerão do fruto da sua conduta e se fartarão das próprias maquinações".